quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Não chores e não se culpe

Querido Deus, é com grande alegria em meu coração que o escrevo. Na verdade as linhas que aqui escrevo nada mais são do que um desabafo, uma confissão de vida. Hoje aos oitenta e nove anos de idade, em leito de morte, sinto-me feliz por ainda conseguir escrever em minha velha máquina. Confesso, que me sinto um pouco cansado e esta fadiga dos anos as vezes me obriga a parar de escrever por alguns minutos, para que possa tomar ar na janela. Em uma dessas paradas obrigatórias, tive a emoção de contemplar um dia radiante e o cantar dos pássaros, a dias não via algo tão cativante, arrisquei um assovio, falhei, não há mais força. Depois de tantos anos vividos, a gente acaba se acostumando com os amanheceres e anoiteceres da vida, as coisas belas passam despercebidas, talvez a vista canse e eu não possa mais ver tamanho esplendor.
Velhice, palavra que eu achei que jamais faria parte do mim. Jamais se faria em mim. Minhas mãos cansadas acabam por se atrapalhar entre tantas letrinhas miúdas, me esforço o máximo para conseguir. Minha vista velha, necessita de óculos novo. Minha alma, precisa muito de descanso. Sei que está próximo o dia da partida, o fim aos poucos me abraça e eu em profunda tristeza me despeço de um mundo que nunca foi meu, de uma vida que nunca foi minha. Não me arrependo de muitas coisas, talvez, eu não me arrepende-se de nada, se não fosse o velho amor da adolescência, nunca correspondido. Ah Deus, amigo meu. Não entendo, como posso me despedir agora? Não há nada em mim, não há flores. As que plantei foram pisoteadas e a raiz tão velha quanto eu, acabou secando. Mas eu juro, não foi por descuido meu, Tu o sabes. Todos os dias eu levei flores e novas flores, nos jardins errados, mas levei. Todos os dias reguei sementes entre espinhos, na esperança de ver nascer uma única flor e ser desta o único dono. Não, eu não imaginei que seria tido como louco e na verdade não me importei. Eu só amei.

Eu passei a vida tentando mostrar que eu realmente me importava, passei anos construindo cenas que se eternizariam no firmamento. Eu, só eu vivi dias eternos, tão meus que nunca saíram de mim. Ao mesmo tempo que me frustro, me amparo e me consolo pois não amei por fora, mas por dentro essas rosas espinhudas sofreram com o meu excesso de amor, de gostar, de se doar. As noites mas medonhas, em completa solidão me embalei nos devaneios de estar completo, repleto e sem medo. Enfrentei dias tempestivos nos quais me enfraqueci, mas nos sonhos de me tornar grande, eu encontrava força e me levantava novamente. Por vezes, sentava em frente a uma casa e esperava o seu dono chegar, não para falar de mim, mas para apenas por pensamento lhe confessar minha grande admiração. Teve dias em que eu andei pelas ruas, dias de chuva só para distribuir sorrisos, pois dentro de mim sempre ouve excesso de fazer bem. Teve noites em que girei o mundo em busca de uma novidade que me tornasse tão único quanto a flor que eu achava que tinha.

A o coração do homem é tão enganoso, tão engenhoso e tão mau. Nunca me deu ouvidos, sofro.
Agora, enquanto a vida lentamente me deixa e enquanto eu consigo, gostaria apenas de dizer a todos que amei: - EU AMEI DE VERDADE.
Sinto nunca ter contado, sinto nunca ter insistido. Peço perdão!
Choro e o choro confunde-se com as palavras e o coração sangra.
Eu gostaria de colocar seu nome aqui, o seu e o meu e contar uma história feliz.
Mas nunca tivemos história alguma, a única que tivemos foi aquela que até hoje viveu apenas dentro de mim.
Contar aqui, seria como que revelar uma parte de mim.
Me despeço em minha incógnita.
E digo-lhe: Não chores, nem se arrependa. As coisas só acontecem como devem acontecer.


Manuel de Castro Rodrigues e Flores.

Após escrever está carta. Manuel secou a lágrima, a única lágrima que o acompanhara por toda a vida. Em seguida, caminhou até a janela, sentou em sua poltrona e despedindo-se, sorriu e adormeceu.
Seu corpo brilhou e lentamente um vento soprou sobre a cidade, sua alma alçou voo aos mais altos céus. Ninguém na cidade o viu, nem sequer o visitaram. Quando souberam de sua morte, foram até sua casa e ao encontrar seu corpo, viram que em uma de suas mãos nascera um espinho, sua vida começava a desabrochar. 

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