quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Ela me deixou

Eu não sabia ao certo como seria minha vida, as mudanças estavam acontecendo muito rápido e isso sempre exigiu de mim uma certa perfeição.
Era quase quatro da tarde, eu corria em meio a chuva.
O ônibus ainda não havia chegado, e as pessoas que ali estavam não me chamavam a atenção.
Cidade grande, poluição e prédios altos, tudo isso com o tempo perde o seu valor e vira apenas parte de um cotidiano frouxo.
Meu telefone toca, eu atendo e nada me chama atenção, com isso, deixo de lado todas as expectativas de um dia diferente da monotonia na qual vivia e vivo constantemente. Não que eu gostasse da vida monotona, mas quando não se tem o que fazer e não há criativadade as coisas começam a estacionar em nossas mentes.
Parei no ponto, olhei para os dois lados e do outro lado pude ver algo que me deixou desejoso.
Era alta, não muito gorda, feia com os cabelos longos, crespos e despenteados, não tinha nenhum dos requisitos básicos para ser considerada bela. Tinha nas mãos um livro o qual devorava, era espantosa a forma com a qual ela se derramava sobre aquele livro e ao mesmo tempo absorvia tudo o quanto podia daquelas páginas amareladas daquele livro velho, sim, o livro era velho e eu cheguei até pensar que era de um Sebo qualquer da XV.
De repente, sem explicação, após tanto tempo arregalando os olhos para ver do que se tratava o livro, resolvi então chegar mais perto e tentar puxar um assunto qualquer, um assunto que somente sanasse aquela tremenda curiosidade de conhece-la. Me aproximei lentamente e perguntei pelas horas, ela não me olhou, ela não respondeu. Indignado, sentei-me ao lado dela e ao repará-la de perto percebi que podia descobrir muito sobre ela somente no olhar.
Lembro-me vagamente de descobrir a simplicidade que havia em tudo nela, a simplicidade do olhar, do ler e do sentar. Mas mesmo assim, eu continuava intrigado com o silêncio que ela tinha. Eu poderia me ofender por ela não me responder, mas percebi que não era de má fé que ela agia assim. Me recolhi, continuei olhando, sentado e intacto. Eu buscava ver em cada movimento dela uma chance para descobri-la, assim eu me perdia em meio a tentativas frustrantes. Silenciosa, ela se levantou e se foi, e eu que antes buscava me aproximar, agora apenas acompanhava sua partida. Sozinho, eu já não podia ouvir o murmuro que saia de seus lábios ao soletrar pequenas e dificultosas palavras. Consciência, mais uma vez me deixava sozinho, a falta de culpa enchia-me de prazer, mas a sua ausência me corrompia. Consciência, volta, se esconde em mim e fala-me, a minha pobre consciência consou-se e não quis falar-me, porém, todavia, eu a desejava.
O livro que ela lia, era apenas um passa-tempo, era apenas uma forma arrogante de me ensinar a ouvi-la.
Eu nunca mais queria vê-la.
Deixe-me agora.
Afogarei a mágoa.

Nenhum comentário:

Postar um comentário